Este blog foi criado e é mantido pela artista Fernanda Magalhães, inicialmente com o objetivo de divulgar o trabalho realizado durante sua atuação junto à Divisão de Artes Plásticas da Casa de Cultura da UEL de dez.2008 a jan.2011. Desta primeira etapa ficam os registros nas postagens realizadas sobre o período, momentos de memória deste importante trabalho realizado, mantendo a fonte para consultas e pesquisas. A partir de agora o blog se estende em novas conexões, buscando continuar na produção de encontros múltiplos, dando continuidade aos projetos de produção em arte. Divulgar, mostrar, expor, refletir, instigar e conectar múltiplos espaços das artes aglutinando eventos, projetos, oficinas, workshops e festivais realizados por todos os cantos e que se encontram aqui a partir de abril de 2011.

terça-feira, 27 de outubro de 2009




ENCONTROS INTERATIVOS
Realização: Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas

Chefe da Divisão de Artes Plásticas: Fernanda Magalhães
Diretora da Casa de Cultura: Janete El Haouli

 A Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas, Avenida JK, 1973, convida o público para participar de suas atividades semanais. São os Encontros Interativos que pretendem possibilitar momentos de discussão, produção e fruição das artes através de linguagens como pintura, desenho, fotografia, vídeo e as novas tecnologias. Nesta semana, 27, 28 e 29 out 2009, contamos com a seguinte programação:

SEMANA HÉLIO OITICICA



Caetano Veloso vestindo parangolé de Hélio Oiticica

RIO - No ano de 1967, na lendária mostra Nova Objetividade Brasileira, realizada no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, Hélio Oiticica apresentou pela primeira vez sua Tropicália - "a obra mais antropofágica da arte brasileira", nas palavras do próprio.  
Café com lápis: 27/10 (terça-feira) 14:30H às 16:30H
Nas tardes de terça feira os encontros acontecem com atividades práticas de atelier buscando fomentar as produções artísticas e estimular as discussões e reflexões partir dos trabalhos realizados.
Atividades: ESPAÇO – COR – MOVIMENTO - Experimentações com os Parangolés – confecção e incorporação na praça.

FERIADO - 28/10 (quarta-feira)
Devido ao feriado as atividades da quarta feira acontecerão na quinta-feira. Pipocação e Bafafá em uma só tarde.


 Pipocação e Bafafá: 29/10 (quinta-feira) 14:30H às 17:00H

Pipocação: projeções de vídeo-arte seguidas de debates e interações reflexivas.
Atividade: Projeções de vídeos sobre alguns trabalhos de Hélio Oiticica: instalações, performances, ocupações, relações com a produção local, ocupações, trabalhos e produções coletivas.

Parangolés na Praça da República:



Bafafá: momentos de leituras e debates buscam estimular as reflexões e o aprofundamento a partir de textos sobre as manifestações artísticas. 
Atividade: Textos referentes ao incêndio ocorrido na casa que abrigava grande parte da obra de HO e as reflexões causadas a partir deste terrível 

17/10/2009 
Saiba mais sobre Hélio Oiticica, um dos mais importantes artistas brasileiros
Folha Online
Um incêndio no Rio que só foi controlado neste sábado destruiu quase todo o acervo do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980), segundo sua família.
O artista tem entre suas obras mais importantes a "Tropicália", que inspirou e deu nome ao movimento cultural brasileiro que revolucionou a música, o cinema, o design, a moda e as artes do país nos anos 70. A obra faz parte da coleção permanente da galeria Tate Modern, de Londres, que adquiriu o trabalho em 2007.
O artista, que compareceu a uma escola pela primeira vez aos dez anos, teve sua formação influenciada pelo pai, José Oiticica Filho --um dos mais importantes fotógrafos brasileiros-- e pelo avô José Oiticica, intelectual filólogo, professor, escritor e jornalista.
Em 1953, Oiticica começou a estudar pintura com Ivan Serpa, após tomar contato com a obra de Paul Klee, Alexander Calder, Piet Mondrian e Pablo Picasso durante a segunda Bienal de Arte Moderna de São Paulo. Em 1954, entrou para o Grupo Frente e junto fez a sua primeira exposição no Museu de Arte Moderna.
Nessa época, Oiticica começou a conviver com artistas e críticos, como Lygia Clark, Ferreira Gullar e Mário Pedrosa. Sua obra desse período, entre 1955 e 1957, são pinturas geométricas sob guache e cartão, que resultou em 27 trabalhos nessa técnica, intitulados 'Secos', que foram expostos no Rio de Janeiro, na Exposição Nacional de Arte Concreta.
Em 1959, convidado por Lygia Clark e Gullar, integrou o Grupo Neoconcreto do Rio de Janeiro e passou a realizar pinturas a óleo sobre tela e compensado. São obras monocromáticas que incluem pinturas triangulares em vermelho e branco.
Também em 1959, o artista participou da quinta Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1960 trabalhou como auxiliar técnico de seu pai, José Oiticica Filho, no Museu Nacional.
A partir do início dos anos 60, Oiticica começou a definir qual seria o seu papel nas artes plásticas brasileiras e a conceituar uma nova forma de trabalhar, fazendo uso de maneiras que rompiam com a ideia de contemplação estática da tela. Surgiu aí uma proposta da apreciação sensorial mais ampla da obra, através do tato, do olfato, da audição e do paladar.
Entre as obras os "Penetráveis", criados para serem vivenciados (ou penetrados) pelo espectador. Nestas obras, o artista passa a criar espaços de convivência que rompem com a relação formal entre arte e observador e pedem presença ativa e distendida no tempo.
Parangolé
Em 1964, o artista aproximou-se da cultura popular e passou a frequentar a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, tornando-se passista e integrando-se na comunidade do morro. Vem dessa época o uso da palavra "parangolé" que passou a designar as obras que estava trabalhando naquele momento.
Os primeiros parangolés se compunham de tenda, estandarte e bandeira e P4, a primeira capa para ser usada sobre o corpo. São obras que causaram polêmicas e ele definia como "antiarte por excelência".
Em 1965, o artista começou carreira internacional e realizou a exposição --Soundings Two-- em Londres, ao lado de obras de Duchamp, Klee, Kandinsky, Mondrian, Léger, entre outros.
Em 1967, iniciou suas propostas supra-sensoriais, com os bólides da "Trilogia Sensorial", além dos penetráveis PN2 e PN3 que faziam parte da obra Tropicália, mostrada na exposição Nova Objetividade Brasileira, no MAM, Rio de Janeiro.
Em 1972, usou o formato super 8 e realizou o filme Agripina é Roma - Manhattan. O cinema passou a ser uma referência, e em 1973 criou o projeto Quase-cinema, com a obra "Helena inventa Ângela Maria", série de slides que evocam a carreira da cantora Ângela Maria.
Uma nova série de penetráveis intitulados Magic Square e os objetos Topological ready-made landscapes foram mostrados na exposição Projeto construtivo brasileiro, MAM, Rio de Janeiro, em 1977. Em 1979, criou o seu último penetrável chamado "Azul in azul". Neste ano, Ivan Cardoso realizou o filme "HO", retratando a obra de Hélio Oiticica.
No dia 22 de março de 1980 o artista morreu após sofrer um acidente vascular cerebral no Rio de Janeiro. 


Noticiário - Seleção Diária de Notícias Nacionais - 21/10/2009
O Globo
Assunto: Rio
Título: 1d O que falta mais? / coluna
Data: 21/10/2009
Crédito: Zuenir Ventura
Zuenir Ventura

No fim de semana em que o tráfico abateu um helicóptero da polícia, num conflito que já causou a morte de mais de 20 pessoas, grande parte do acervo de Helio Oiticica foi destruído por um incêndio. Apenas um acaso, mas carregado de simbolismo. As obras do nosso mais revolucionário artista plástico contemporâneo representavam uma época cujo equívoco ideológico teve fim parecido ao do aparelho abatido.

Passista da Mangueira, frequentador de favelas, companheiro de malandros e admirador de bandidos quando os morros ainda não eram dominados pelos traficantes, Oiticica tinha fascínio pela rebeldia que via a marginalidade encarnar: “Seja marginal, seja herói”, era o seu lema.

Quando Cara de Cavalo, “inimigo no1 da cidade”, foi morto pela polícia em 1964, Oiticica imortalizouo com uma “Homenagem” — uma caixa (bólide) com a fotografia do criminoso estirado no chão, perfurado de balas, com os braços estendidos em forma de cruz. “Contemplai o seu silêncio heróico”, dizia uma espécie de lápide. Outro bandido famoso, Mineirinho, sensibilizou os escritores Clarice Lispector e Carlinhos Oliveira. “Suponho que é em mim que devo procurar por que está doendo a morte de um facínora”, ela escreveu numa crônica. Já Carlinhos achava que aquele assaltante condenado a 137 anos de prisão personificava a rebeldia por arriscar a vida pelo “ideal de ser livre para ser criminoso”. Havia então uma certa crença de que a subversão de valores e a transgressão social tinham, além de possibilidades estéticas, potencial politicamente transformador.

Como Oiticica dizia que o Brasil é um país sem memória, espécie de “mata-borrão da história”, dilui o que absorve, é bom lembrar que em 50 anos os malandros viraram traficantes, os marginais, bandidos, e a criminalidade no Rio deu um salto: deixou o seu caráter folclórico, perdeu a “ingenuidade”, abandonou o amadorismo, trocou o revólver calibre 32 pela metralhadora e não conheceu mais limites na capacidade de afrontar o Estado.

Primeiro, roubou armas privativas das Forças Armadas — e alguém deve ter dito, como o secretário de Segurança agora, que era “um ato de desespero dos bandidos”. Depois, os traficantes atacaram prédios públicos, em seguida invadiram quartéis militares e explodiram delegacias. Finalmente, aprenderam a derrubar helicópteros da polícia. O que falta mais? O Rio prometeu, e o mundo está esperando, reverter essa situação e fazer em sete anos o que não foi feito em 50. Haja esperança.
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 “NÃO QUERO QUE A VIDA ME FAÇA DE OTÁRIO!”
 HÉLIO OITICICA COMO MEDIADOR CULTURAL ENTRE O ASFALTO E O MORRO 



(texto publicado originalmente no livro Mediação, Cultura e Política, organizado por Gilberto Velho
e Karina Kuschnir e lançado pela editora Aeroplano em 2001. O texto foi apresentado inicialmente
em seminário realizado nos dias  23 e 24 de maio de 2000, no Programa de Pós-Graduação em
Antropologia Social (PPGAS) do Museu Nacional da UFRJ, no âmbito do Mediação e Cidadania na
Sociedade Brasileira, projeto coordenado por Gilberto Velho)


Hermano Vianna
 

E os museus? E a arte das galerias? Prefiro a das galeras.
Hélio Oiticica 


'Parangolé’ impedido no MAM”: eis como o Diário Carioca noticiou a inauguração da
exposição coletiva Opinião-65 no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Os leitores devem ter
ficado perplexos. Aqueles mais familiarizados com as novidades da gíria carioca podem ter
imediatamente pensado: “Qual é o parangolé?” Waly Salomão, poeta, conta que na época essa
pergunta “significava, dentre outros sentidos mais secretos, ‘O que é que há?’, ‘O que é que está
rolando?’, ‘Qual é a parada?’ ou ‘Como vão as coisas?’.” (Salomão, 1996: 28) A parada do MAM
foi a seguinte: um artista carioca de 28 anos, chamado Hélio Oiticica, egresso dos embates
intelectuais/estéticos do concretismo e do neo-concretismo, havia tido a petulância de trazer para o
museu uma ala de passistas da favela e da escola de samba Mangueira para apresentar, em seus
corpos e em estandartes, suas novas obras (de Hélio Oiticica), intituladas justamente de Parangolés.
A direção do museu não permitiu a exibição do pessoal da Mangueira dentro de suas
instalações. Os únicos motivos alegados para tal veto, apurados por Claudir Chaves, do Diário
Carioca, foram o “barulho dos pandeiros, tamborins e frigideiras.” O próprio jornalista declara não
ter conseguido “entender” tal explicação. E conta que “Hélio Oiticica, revoltado com a proibição,
saiu juntamente com os passistas e foram exibir-se no lado de fora, isto é, no jardim, onde foram
aplaudidos pelos críticos, artistas, jornalistas e parte do público que lotavam as dependências do
1 Este texto é apenas uma primeira aproximação ao tema, escrito com base em apenas dois meses de pesquisas. Resolvi
restringir meu trabalho à análise do material já publicado em livros e poucos jornais. Mesmo assim, tive que fazer
resumos perigosos de vários assuntos complexos, que só poderão ser desenvolvidos em outros artigos. Portanto, o texto
que apresento aqui deve ser pensado mais como uma série de anotações para futuros desenvolvimentos (incluindo novas
pesquisas), do que como um artigo acabado.
MAM.” (Diário Carioca, 14/08/65)
O artista plástico Rubens Gerchman, que também tinha trabalhos expostos na Opinião-65,
declarou: “Foi a primeira vez que o povo entrou no museu. Ninguém sabia se o Oiticica era gênio
ou louco e, de repente, eu o vi e fiquei maravilhado.” (citado em Salomão, 1996: 52) Na nota Ainda
o Parangolé, publicada em O Globo (16/08/65), Jean Boghici, idealizador da exposição junto com
Ceres Franco, defendia o artista: “Parangolé é o que é. É o mito. Hélio Oiticica, Flash Gordon
nacional, não voa nos espaços siderais. Voa através das camadas sociais.”
Nessas duas declarações já é possível entrever algumas das características da atuação de
Hélio Oiticica como mediador cultural2 entre mundos sociais diversos, cujo contato uns com os
outros são sempre problemáticos e provocadores das reações mais diversas. O Parangolé traz o
povo, “pela primeira vez”, para o ambiente “elitista” do museu. Na gíria de hoje: o morro
encontrava-se com o asfalto. O trabalho de Hélio Oiticica, criando uma espécie de ficção científica
brasileira (voar é um milagre), atravessa “camadas sociais”. O mundo dos museus mostrava-se ao
mesmo tempo despreparado e preparado para entender a importância do que estava acontecendo. De
um lado, a direção proíbe a entrada do “povo”. Mas nos jardins, críticos, artistas, jornalistas e “parte
do público” aplaudiram a novidade. Vera Pacheco Jordão, autora de uma matéria sobre o evento
publicada em O Globo (16/08/65), descreve a noção de “vivência-total Parangolé”, advogada por
Hélio Oiticica num artigo escrito para a exposição, como um “estado que esperamos atingir um dia,
nesta ou em outra encarnação.” Na opinião dessa jornalista, o samba contribuiu para “o ambiente de
liberdade, ineditismo e alegria”. Além disso, Hélio Oiticica “mostrou que é passista pra valer.”
O objetivo deste artigo é, partindo do Parangolé, tentar compreender melhor a gênese da
atuação mediadora de Hélio Oiticica, principalmente concentrando as atenções na sua “descoberta”
do mundo do samba, tendo como pano de fundo os diferentes modos de relações entre grupos de
elite e grupos de favelados no Rio de Janeiro da década de 1960.
2 Para não perder muito tempo com essa questão importantíssima: mediador cultural é um “papel desempenhado por
indivíduos que são intérpretes e transitam entre diferentes segmentos e domínios sociais.” (Velho, 1994a: 81) É claro
que uma definição como essa e as dificuldades da sua aplicação para o caso específico de Hélio Oiticica exigem muitos
comentários e explicações, que ficam adiados para o “próximo” artigo.
Esse pano de fundo não é uma superfície homogênea. Tem muitas dobras, cores, retalhos,
buracos. Ele inclui a ação de grupos sociais diversos, movimentando-se em direções diversas,
buscando objetivos (conscientes ou inconscientes) muitas vezes contraditórios. Algumas das linhas
de força entre as quais (ou através das quais, ou sobre as quais, ou além das quais, ou contra as
quais) Hélio Oiticica se movimentava: a atração crescente que a música dos morros e as escolas de
samba passaram a exercer sobre a classe média carioca; as modificações pelas quais as escolas de
samba estavam passando, com a cada vez mais decisiva influência de carnavalescos de “classe
média”; as idéias sobre cultura popular discutidas no âmbito do Centro Populares de Cultura (CPC)
da UNE, e do nascente Cinema Novo (vide Cinco Vezes Favela); as políticas oficiais para as
favelas, e a alternativa urbanização/remoção; a descoberta contracultural das drogas e a criação de
um novo mercado para o “tráfico de entorpecentes” dos morros cariocas (e também a criação de um
novo tipo de “bandidagem”); os embates entre as várias definições de brasilidade e autenticidade
em vários campos artísticos do país (incluindo a invenção da Mangueira como o espaço do samba
mais autêntico). A trajetória de Hélio Oiticica (principalmente em seus momentos imediatamente
anteriores e imediatamente posteriores ao seu encontro com a Mangueira) pode nos ajudar a
entender, de maneira complexa, os aspectos mais importantes dessas “linhas de forças”, aspectos
esses que ainda influenciam decisivamente a maneira como percebemos a (e vivemos na) cidade do
Rio de Janeiro dos dias de hoje.
O encontro de Hélio Oiticica com a Mangueira poderia ser descrito como obra do acaso. Ele
foi pela primeira vez à favela no início de 1964, levado por um amigo escultor, Jackson Ribeiro,
que ajudava outro escultor, Amílcar de Castro, a confeccionar alegorias para o desfile da Escola de
Samba Estação Primeira de Mangueira do carnaval daquele ano. Ficou tão fascinado com o que viu
por lá que passou a freqüentar o morro quase que diariamente, fazendo amizades, fumando
maconha, aprendendo a dançar samba (e aprendendo bem, tanto que tornou-se passista de uma das
alas mais conceituadas da escola). Essa vivência teve conseqüências profundas no seu trabalho
artístico. Tanto que quase um ano e meio depois de sua primeira visita ao morro, já estava levando
os mangueirenses ao Museu de Arte Moderna para apresentar novos trabalhos, os Parangolés, cuja
criação foi deflagrada por uma espécie de trabalho de campo estético (e mesmo antropológico)
junto ao mundo do samba e das favelas.
É preciso desconfiar de encontros “por acaso” tão cheios de imediatas conseqüências. Era
como se Hélio Oiticica estivesse preparado para o encontro (e também era, apesar da proibição da
diretoria do MAM, como se o público “de vanguarda” carioca estivesse preparado para seu
encontro com o Parangolé, apesar de toda sua “estonteante” novidade). Mais do que isso: era como
se buscasse o encontro, de alguma maneira como Picasso buscava o encontro com a “arte negra”
para inventar o cubismo. Em 1963, ao definir – sem citar Marcel Duchamp – os trabalhos que
chamou de bólides como transobjetos (“o objeto que uso já existia enquanto tal de antemão” e são
transformados em arte), Hélio Oiticica deixava claro não encontrar esses objetos por acaso. Pelo
contrário: o encontro era precedido pela “obstinada procura” daquele objeto (Oiticica, 1986: 64).
Como disse o historiador da arte Pierre Daix, diante da platéia do colóquio Picasso, Art
Nègre et Civilisation de L’Universel, realizado em 1972 em um Senegal presidido por Léopold
Senghor: “Il me paraît essentiel de marquer que cette rencontre de Picasso avec l'art nègre n’a pas
été un coup de tonerre dans un ciel serein. Elle est intervenue à l’interieur d’un mouvement de
création révolutionnaire déjà bien engagé et s’il y a autant de discussions pour tenter d’en préciser
la date, c’est que tout s’est passé comme si cette rencontre avait été apellé, presque produite, par la
dynamyque même de l’expérimentation de Picasso.” (Daix, 1975: 8) Foi também, de certa forma, o
resultado de uma “procura obstinada”, facilitada por circunstâncias históricas, ou – como diria
Gilberto Velho – por um “campo de possibilidades”. Para outro historiador da arte, Jean Laude, o
encontro não produziu uma “iluminação imperativa e súbita” (Laude, 1975: 67): Picasso “s’est
trouvé en quelque chose justifié” (Daix, 1975: 9) quando viu pela primeira vez as tais máscaras
africanas.  Estou convencido, por motivos que – espero – ficarão claros no decorrer deste artigo,
que os mesmos comentários poderiam ser feitos com poucas mudanças de palavras, para descrever
a maneira veloz como Hélio Oiticica soube se reconhecer, e se deixar transformar (entre o passivo e
o ativo), no encontro com o samba, a arquitetura e o modo de vida das favelas cariocas.
Dito isso, podemos então procurar entender o que Hélio Oiticica procurava obstinadamente
no Rio de Janeiro, naquele início dos anos 60. Os Parangolés anunciavam que algo havia sido
encontrado. Já em 1965, suas palavras não deixam dúvidas quanto à importância do encontro,
chamado até de “descoberta”:  “A descoberta do que chamo de Parangolé marca o ponto crucial e
define uma posição específica  no desenvolvimento teórico de toda a minha experiência da
estrutura-cor no espaço” (Oiticica, 1986: 65). Quatro anos mais tarde, reafirmaria esse “ponto
crucial”, relacionando-o com outras “descobertas”3: “Tudo começou com a formulação do
Parangolé em 1964, com toda a minha experiência com o samba, com a descoberta dos morros, da
arquitetura orgânica das favelas cariocas” (Oiticica, 1986: 106). Precisamos, então, descobrir que
“tudo” é esse que começou com o Parangolé e com o encontro com a Mangueira, e o que esse
“tudo” traz de novidade para o “desenvolvimento teórico” do seu trabalho artístico.
Hélio Oiticica, no momento em que apresentava ao público carioca seus Parangolés, estava
convencido também que o paralelo com a “descoberta” da arte negra pelos cubistas não explicava
sua nova experiência, sendo até seu oposto. No cubismo houve “a descoberta de uma totalidade
cultural, de um sentido espacial definido. Era a tentativa primeira e decisiva do desmonte da figura
na arte ocidental” (Oiticica, 1986: 67). Quando Hélio Oiticica faz a sua “descoberta”, a “figura” já
estava completamente desmontada por um outro golpe decisivo, mais decisivo até que o cubista,
como afirmava a artista plástica Lygia Clark, companheira do criador dos Parangolés em várias
outras descobertas: “pela própria época a crise declanchada por Mondrian é mil vezes mais séria e
maior que a declanchada por Picasso. É a crise da estrutura” (carta de 19/01/1964 para Hélio
Oiticica, publicada em Clark & Oiticica, 1996: 18) A descoberta do samba e da favela, portanto, só
ganha sentido dentro dessa nova (“mil vezes mais séria”) crise: “O Parangolé, porém, situa-se
como que no lado oposto do Cubismo: não toma o objeto inteiro, acabado, total, mas procura a
estrutura do objeto, os princípios constitutivos dessa estrutura, tenta a fundação objetiva e não a
3 Os modernistas brasileiros também relacionaram seus achados artísticos com “descobertas” semelhantes. Oswald de
Andrade, por exemplo, dedicou seu livro de poemas Pau-Brasil “a Blaise Cendras por ocasião da descoberta do Brasil.”
O Brasil, portanto, está sempre sendo redescoberto.
dinamização ou o desmonte do objeto.” (Oiticica, 1986: 67)
Poderíamos então dizer que o Parangolé foi encontrado, descoberto ou formulado por um
olhar ou uma procura estruturalista? É mais pertinente, para a discussão a seguir, deixar essa
pergunta de lado e concentrar nossas atenções naquilo que é chamado de “fundação objetiva”, um
conceito que tem claras ligações com o construtivismo, a tradição modernista à qual Hélio Oiticica
tão comprometidamente se vincula, mesmo pregando sua superação. Sua visão sobre a favela e o
samba está marcada pelas preocupações construtivistas, incluindo aí a crítica dos limites do
construtivismo empreendida desde os tempos do neoconcretismo. Não é, de modo algum (e nisso,
como veremos adiante, Hélio Oiticica se distancia radicalmente de outras tentativas de aproximação
com a cultura dos morros cariocas empreendidas por outros artistas de classe média na mesma
época), uma visão movida por um interesse pela “cultura popular” ou pelo “folclore”. A arquitetura
da favela interessa porque ela apresenta, de uma maneira original, as mesmas questões colocadas
pela crise da arte moderna pós-Mondrian.
Hélio Oiticica nasceu em Botafogo, bairro da Zona Sul do Rio de Janeiro. Sua família de
classe média já tinha uma história de participação artística e intelectual na vida da cidade e do país.
Seu avô era filólogo, e também foi líder anarquista. Seu pai era cientista, trabalhava com pesquisas
de entomologia no Museu Nacional (onde conseguiu um emprego para Hélio Oiticica), mas também
era fotógrafo e pintor, envolvido com o construtivismo brasileiro. Não foi surpresa, portanto, que
Hélio Oiticica tenha iniciado suas aulas de pintura no Museu de Arte Moderna, sob a orientação do
pintor Ivan Serpa, nome importante na formação do concretismo, vertente construtivista brasileira.
Pouco tempo depois conheceu Mário Pedrosa, Ferreira Gullar, Lygia Clark, Lygia Pape e outros
nomes que também vão participar das primeiras exposições de arte concreta e neoconcreta no
Brasil, entre 1956 e 1962.
Não é possível, neste artigo, investigar – mesmo de modo bem simplificado – os vários
aspectos da tradição construtivista. Citarei apenas a definição, pouco definitiva, que Naum Gabo –
pioneiro do construtivismo russo do início do século XX – lançou em 1937: “The Constructive idea
is not a programmatic one [...] it is a general concept of the world [...] an ideology caused by life,
bound up with it and directed to influence its course. [...] it does not remain solely in the sphere of
Art. This idea  can be discerned in all domains of the new culture now in construction.” (Gabo,
1990: 210) Para o crítico de arte Ronaldo Brito, em texto partidariamente anti-construtivista escrito
em 1975, os movimentos dessa vertente do modernismo internacional “assumiam mesmo um
caráter messiânico: traziam uma nova ordem plástica adequada à nova harmonia social” (Brito,
1999: 15), harmonia essa de caráter nitidamente racionalista, mecânico, exato, anti-sentimental,
anti-dramático,  anti-expressionista.  Como decorrência desse ideário messiânico,  na sua
manifestação construtivista brasileira (representada principalmente pelo nosso concretismo) seria
“fácil perceber”, ainda segundo o Ronaldo Brito dos anos 70, “uma ânsia de superar o atraso
tecnológico e o irracionalismo decorrente do subdesenvolvimento. Daí a sua reação ao realismo
regionalista, pregado sobretudo pela esquerda oficial do país” (Brito, 1999:  44).
Vários dos artistas ligados ao concretismo brasileiro também criticaram as limitações do
construtivismo mais sectário, e esse foi um dos motivos principais para o lançamento – em 1959 -
do manifesto neoconcreto, assinado por - entre outros – Lygia Clark, Amílcar de Castro e Ferreira
Gullar, onde afirmavam ter a arte concreta sido “levada a uma perigosa exacerbação racionalista”,
falando “ao olho-máquina e não ao olho-corpo” e “furtando-se à criação intuitiva” que poderia
reacender a “experiência primeira – plena – do real” (Manifesto Neoconcreto, 1999: 10/11).
Hélio Oiticica, em 1960, reafirmava as idéias do manifesto neoconcreto: a escola
influenciada por Mondrian perdeu a espontaneidade, “tornou-se excessivamente intelectual”
(Oiticica, 1986: 20). Diante desse impasse, a arte de Lygia Clark seria vista como uma saída: “nova,
orgânica, retomada da força interior e da espontaneidade perdida” (Oiticica, 1986: 20). Contudo,
essa retomada não significava uma negação nem da “tradição do construtivismo” nem da
importância de Mondrian. Em 1966, Hélio Oiticica declarou “chegamos ao oposto do que ele
[Mondrian] se propunha”, só para logo em seguida acrescentar que esse oposto já estava de certa
forma proposto ou era desejado por Mondrian que trabalhava tendo em vista uma “totalidade-obra”
onde haveria “uma superposição da estrutura sobre o cotidiano” (Oiticica, 1896: 120), além de ter
profetizado “the end of art as a thing separated of our reality” (citado em Oiticica, 1986: 17),
propondo a unificação da arquitetura, escultura e pintura.
Então, o que Hélio Oiticica e Lygia Clark buscavam, já no final dos anos 50, era uma volta
“à raiz do pensamento do Mondrian” (Oiticica, 1986, 33),  uma radicalização das propostas mais
radicais do abstracionismo, que não tinha nada a ver o expressionismo abstrato. Hélio Oiticica, até o
final da sua vida, continuou a usar o adjetivo “construtivo” como um julgamento de valor positivo,
e sempre se manteve desconfiado, ou mesmo em oposição, diante de saídas “fáceis” como a action
painting, o pop, a arte povera, o neo-dadá, o happening, o op, o minimalismo. Sua proposta era
assumir o difícil legado de Mondrian e Malevitch. Diante da constatação “Já não tenho dúvidas que
a era do fim do quadro está definitivamente inaugurada” - a alternativa é clara: o quadro tem que
cair no tempo, no espaço tridimensional, no cotidiano, no corpo, na vida, mas de maneira nenhuma
perde seu rigor construtivo: “Quando, porém, a cor não está mais submetida ao retângulo, nem a
qualquer representação sobre esse retângulo, ela tende a se ‘corporificar’; torna-se temporal, cria
sua própria estrutura, que a obra passa a ser ‘o corpo da cor’.” (Oiticica, 1986: 23) O primeiro passo
nessa direção já foi dado - não há mais como parar: “Toda minha transição do quadro para o espaço
começou em 1959.” (Oiticica, 1986: 50) Os Parangolés (obras da “manifestação da cor no espaço
ambiental” – Oiticica, 1986: 70), como vimos, são o “ponto crucial” dessa transição, que tem como
objetivo “superar o estruturalismo criado pelas proposições da arte abstrata, fazendo-o crescer por
todos os lados como uma planta” (Oiticica, 1986: 103).
Tanto para Lygia Clark, a partir de seus Bichos, como para Hélio Oiticica, na seqüência de
seus Núcleos, Penetráveis, Bólides e Parangolés, a transição do quadro para o espaço implicava e
exigia uma outra transição: o espectador deveria se transformar em “participador” (Oiticica, 1986:
71). As novas obras propõem “não uma contemplação transcendente, mas um ‘estar’ no mundo”
(Oiticica, 1986: 74). Nesse sentido, e diante da busca de uma participação cada vez maior, a própria
obra de arte pode ser pensada como um objeto mediador. Hélio Oiticica e Lygia Clark são
explícitos a esse respeito. Hélio Oiticica em carta para Lygia Clark fala “desse tipo de objeto
mediador ‘para a participação’ ou que se constrói por ela” (cita como exemplo: “eu com as capas” –
Clark & Oiticica, 1996: 49). Lygia Clark em carta para Hélio Oiticica escreve que “Para mim o
objeto, desde o Caminhando4, perdeu seu significado, e se ainda o utilizo é para que ele seja o
mediador para a participação.” (Clark & Oiticica, 1996: 61)
O grande artista torna-se também, quase que necessariamente, um mediador, quase xamã. O
grande artista, por poder ocupar uma posição especial, para além dos “condicionamentos sociais”,
enquanto mediador, pode também assumir o papel de “empresário”, “educador” e “proposicionista”
(Oiticica, 1986: 97), aquele que “propõe propor” (Oiticica, 1986: 120), criando “uma condição
ampla de participação popular nessas proposições abertas” (Oiticica, 1986: 98), proposições “cada
vez mais abertas, exercícios criativos”, nos quais o participador poderá experimentar o “dilatamento
de suas capacidades sensoriais habituais”: “procuro ‘abrir’ o participador para ele mesmo”
(Oiticica, 1986: 104).
Para ter capacidade de fazer tais proposições, inclusive a de mediar o encontro de uma
pessoa com ela própria, o artista tem que ter passado pelo mesmo processo de descondicionamento
social ou “descondicionamento do cotidiano”. Aqui voltamos à importância do encontro com a
Mangueira na trajetória de Hélio Oiticica. Foi, como já se frisou, um encontro procurado
obstinadamente, que veio a responder – em âmbito social – questões artísticas (transformadas em
existenciais) bem precisas: aquelas da crise do construtivismo, da transição do quadro para a vida.
O movimento é de mão dupla: o Parangolé é formulado pelo artista ao mesmo tempo que o artista
“acha” na paisagem “do mundo urbano, rural etc., elementos Parangolé” (“Na arquitetura da
‘favela’, p. ex., está implícito um caráter do Parangolé, tal a organicidade estrutural entre os
elementos que o constituem e a circulação interna e o desmembramento externo dessas
construções” – Oiticica, 1986: 68) Porém, o artista passa a ser capaz de achar/formular o que não
via/criava antes. Hélio Oiticica reconhece: ao “descobrir” a Mangueira, “o condicionamento
burguês a que eu estava submetido desde que nasci desfez-se como por encanto” (Oiticica, 1986:
4 Trabalho de 1963: o “participante” cortava com tesoura uma faixa branca (em forma de fita de Moebius) de papel.
73). Mas o encanto é logo relativizado: “devo dizer, aliás, que o processo já se vinha formando
antes, sem que eu o soubesse.” (Oiticica, 1986: 73)
Sem condicionamento, Hélio Oiticica transformou-se naquele Flash Gordon nacional,
sobrevoando estilos de vida, visões de mundo e barreiras de classe: “Creio que a dinâmica das
estruturas sociais revelaram-se aqui para mim na sua crudeza, na sua expressão mais imediata,
advinda desse processo de descrédito nas chamadas ‘camadas’ sociais; não que não considere eu a
sua existência, mas sim que para mim se tornaram como que esquemáticas, artificiais, com se, de
repente, visse eu de uma altura superior o seu mapa, o seu esquema, ‘fora’ delas” (Oiticica, 1986:
74). Tal revelação parece ser precondição para a atividade mediadora: é preciso desacreditar na
realidade soberana das barreiras sociais para poder transitar através delas; é preciso “descobrir” sua
natureza esquemática e artificial; em outras palavras: é preciso desnaturalizá-las: e essa
desnaturalização (ou descondicionamento) foi o “encanto” que a Mangueira produziu (ao tirar outro
“encanto”) em Hélio Oiticica, que escreveu ter vivido no morro e no samba “uma experiência social
definitiva que nem sei que rumo tomará.” (Oiticica, 1986: 73)
A Mangueira deu muitas lições a Hélio Oiticica. Vale a pena citar seus comentários
sobre o que lá aprendeu: “o terreiro de ensaio da Mangueira e o seu lendário boteco ‘Só para
quem pode’ foram para mim as maiores revelações dessa comunhão entre disponibilidade e
ambiente, catalizados aqui pelo samba” (Oiticica, 1986: 80). Ou: “Houve algo que, a meu
ver, determinou de certo modo essa intensificação para uma proposição de uma arte coletiva
total: a descoberta de manifestações populares organizadas (escolas de samba, ranchos,
frevos, festas de toda ordem, futebol, feiras)” (Oiticica, 1986: 96). Todos seus trabalhos
posteriores ficaram marcados por essa vivência. A sensação que seu ambiente Tropicália
(constituído por Penetráveis, obras nas quais o “participador” pode penetrar e se mover pelo
seu interior) queria transmitir era, segundo seu próprio proposicionista, descrita como “a
sensação de que se estaria de novo pisando na terra. Esta sensação, sentia eu anteriormente
ao caminhar pelos morros, pela favela, e mesmo o percurso de entrar, sair, dobrar ‘pelas
quebradas’ da Tropicália, lembra muito as caminhadas pelo morro” (Oiticica, 1986: 99).
Essas sensações estão, em muitos momentos dos escritos de Hélio Oiticica,
associadas a uma “necessidade vital de desintelectualização” ou à “procura do mito, uma
retomada desse mito e uma nova fundação dele na minha arte.” (Oiticica, 1986: 72) Porém é
necessário reconhecer: esse era um mito bem diferente daquele procurado por outros artistas
e intelectuais de classe média, da Zona Sul do Rio de Janeiro, que naquela época também
buscavam transitar pelos mundos dos morros e das escolas de samba cariocas. Lygia Clark,
que morava em Paris, ao tomar conhecimento do trabalho de Hélio Oiticica no carnaval de
1964, lhe escreveu: “Soube pelo Mário [Pedrosa] da sua participação no arranjo de
Mangueira e fiquei muito contente, pois um trabalho em conjunto com Amílcar e Jackson
deve ser sempre interessante principalmente levando em conta que seu trabalho saiu pela
vida.” (Clark & Oiticica, 1996: 25) Não há nenhuma surpresa ao receber a notícia que seu
amigo de vanguarda colabora com uma escola de samba, mas (o que também se aplica às
descrições e reflexões de Hélio Oiticica sobre suas andanças no morro) mais
surpreendentemente – levando-se em consideração o “campo intelectual” da época – não há
quaisquer referências aos “encantos” da cultura popular, da autenticidade do samba, do
nacionalismo, da brasilidade. O Flash Gordon nacional parecia voar em outra dimensão,
totalmente invulnerável à contaminação dos modos mais difundidos de veneração ao povo.
Sua viagem à favela parecia ser absolutamente pessoal e intransferível.
Hélio Oiticica encontrou na Mangueira uma espécie de segundo lar (a ponto de, em
1969 e em Londres, poder dizer: “sinto que Rio e Mangueira me foram a grande
experiência” – Oiticica, 1986: 123). Não foi uma experiência fácil. Em carta para Lygia
Clark, ele afirmava: “Quando me diziam – não vá a Mangueira. Pensava eu: eu não digo
nada e vou, pois adorava” (Clark & Oiticica, 1996: 103). Mário Pedrosa, citado pelo crítico
de arte inglês Guy Brett, dizia que o encontro de Hélio Oiticica com a favela teria sido uma
“iniciação penosa” (Oiticica, 1986: bloco de fotografias, sem numeração de páginas). Waly
Salomão comenta: “Hoje em dia ir a uma Escola de Samba não constitui nenhuma aventura
excepcional. É uma safe adventure. Um pacote convencional igual aos oferecidos por
qualquer agência de turismo para a Disneyworld. [...] Repito: nenhuma pele etnocêntrica é
tirada. Repito: Hélio quando foi ser passista aprendeu todos os passos básicos do samba
como, nos dias de hoje, ninguém que vai por lá sente sequer a necessidade de aprender.”
(Salomão: 1996: 46/7)  Além dos passos de samba, Hélio Oiticica afirmava ter um
conhecimento completo da geografia do morro: “Cada centímetro do chão de Mangueira eu
amo com a mesma intensidade com que me dedico ao meu trabalho criador” (citado por
Frederico Morais, na orelha de Oiticica, 1986).
É certo. No final dos anos 1950 e durante todos os 1960, muitos outros cariocas de
classe média subiam o morro, mas com procuras, apesar de também obstinadas,
completamente diferentes das que levaram Hélio Oiticica a se tornar passista com tal
convicção e tantas conseqüências para o panorama artístico brasileiro (e hoje mundial, vide
a homenagem prestada a sua obra na última Documenta – a exposição de maior importância
no panorama mundial – do Século XX). Por exemplo: o estudante de arquitetura, e futuro
antropólogo, Carlos Nelson Ferreira dos Santos, enquanto os passistas da Mangueira eram
proibidos de entrar no MAM, já freqüentava a favela de Brás de Pina, como “assessor para
assuntos urbanísticos e habitacionais” da FAFEG (Federação de Associações de Favela do
Estado da Guanabara). A comunidade de Brás de Pina acabara de, no final de 1964, reagir à
força às tentativas do governo para removê-la do local que ocupava. (Ver Santos, 1981)
Carlos Lacerda, no governo da Guanabara (Dezembro de 1960 – Janeiro de 1965),
incentivou as políticas de remoção de favelados para conjuntos habitacionais recém-
construídos como a Cidade de Deus e as Vilas Kennedy, Aliança e Esperança. Até 1965,
cerca de 30 mil pessoas já tinham sido removidas das favelas onde habitavam (para detalhes
sobre a história das políticas públicas nas favelas do Rio de Janeiro, ver Perlman, 1977;
Burgos, 1998; Zaluar & Alvito, 1998; e o já citado Santos, 1981; entre outros). Portanto,
quando Hélio Oiticica pisa em Mangueira pela primeira vez, a relação entre favelados e
governantes (todos provenientes do “asfalto”) é de conflito aberto, e por vezes mesmo
violento (em 1964, soldados armados com metralhadoras garantiram a remoção da Favela do
Pasmado, por exemplo).
Com o golpe militar de 1964,  as associações de favelados e os órgãos
governamentais mais favoráveis à políticas de urbanização foram sendo esvaziados. A
diretoria da FAFEG, federação criada em 1963 muito em conseqüência do movimento anti-
remoção, foi cassada em 1968. Neste mesmo ano, um documento oficial definia as favelas
como “espaço urbano deformado” e tinha como missão declarada “exterminar as favelas”5
(Burgos, 1998: 36). Resultado: entre 1968 e 1975, mais 100 mil favelados foram removidos.
É um número espantoso, que caraterizaria um cataclismo social em qualquer cidade.
Isso não quer dizer que a classe média carioca tinha uma única opinião sobre como
lidar com o “problema das favelas”. Os casos de Hélio Oiticica ou Carlos Nelson Ferreira
dos Santos, e vários outros casos citados abaixo, provam o contrário. Em sociedades
complexas,  é impossível – a não ser em situações muito especiais – encontrar
homogeneidade cultural em grupos de contornos tão vagos como a “classe média carioca”. É
importante também não cair na tentação de simplificar a metrópole com classificações
bipolares como asfalto e morro (ver Zaluar & Alvito, 1998: 20), como se fossem territórios
inimigos, claramente separados e homogêneos internamente. Tudo é mais confuso,
misturado, sem limites intrasponíveis. A “classe média carioca” nunca teve uma só opinião
sobre a favela. Muitas das suas opiniões apresentavam profundas divergências entre si.
Essas divergências contribuíram para gerar atos violentos, de todos os tipos. Em
1955, o filme Rio 40 Graus, de Nelson Pereira dos Santos, que retratava a vida de cinco
crianças faveladas vendedoras de amendoim, foi proibido pela polícia e pelo serviço de
Censura, “alegando que no Rio os termômetros não atingiam jamais 40 graus” (Paiva, 1989:
5 O que não era nenhuma novidade: já no Código de Obras de 1937 havia ordem oficial para erradicar as favelas
(Perlman, 1977: 240).
73). Tal atitude gerou uma grande reação de críticos e artistas que conseguiram liberar o
filme, e Rio 40 Graus tornou-se importante fonte de inspiração para os cinco cineastas que
em 1962 lançaram Cinco Vezes Favela, filme produzido pelo CPC da UNE, e também um
dos marcos inaugurais do Cinema Novo, movimento que redefiniu a cinematografia
nacional.
O discurso do pessoal envolvido com Cinco Vezes Favela era completamente
diferente daquele empregado por Hélio Oiticica ao refletir sobre seu encontro com a
Mangueira. Eduardo Coutinho, gerente de produção do filme, em depoimento de 1962,
afirmava “ser importante dar ou sugerir as soluções para os nossos dramas, apontar os
culpados, politizar o público.” (Viany, 1999: 29) Cacá Diegues, diretor de Escola de Samba
– Alegria de Viver, segmento de Cinco Vezes Favela, também declarou que um cinema
novo “só tem sentido na medida que for crítico; daí ser eminentemente popular, como o
próprio cinema o é. O que não quer dizer popularesco ou demagógico.” (Viany, 1999: 27)
A definição do que é realmente popular gerou muitos debates entre os participantes do CPC.
Um de seus diretores, Carlos Estevam Martins, autor da história na qual Escola de Samba – Alegria
de Viver foi baseado, também em 1962, redigiu o Anteprojeto do Manifesto do CPC, que definia a
“arte do povo” como “inconsciente”, a “arte popular” como “escapista”, e a “arte popular
revolucionária” (“armas espirituais  da libertação material e cultural do nosso povo” – Martins,
1979: 69) como aquela que deveria ser produzida pelos artistas brasileiros. Os verdadeiros desejos
do “povo” são conhecidos pelos intelectuais e artistas do CPC: “Os membros do CPC optaram por
ser povo [então não eram povo antes – o que eram?], por ser parte integrante do povo6,
destacamentos de seu exército no front cultural.” (Martins, 1979: 71 – para uma análise da atuação
do CPC, ver Hollanda, 1980 e Hollanda e Gonçalves, 1982)
Outro diretor do CPC, Oduvaldo Viana Filho, foi autor (junto com Armando Costa e Paulo
6 Mesmo assim, os membros do CPC publicavam – em sua coleção Violão de Rua, da série Cadernos do Povo
Brasileiro, poemas como este de Fernando Mendes Vianna: “A favela é logo ali./Choro uma lágrima fácil./Sou
burguês/de doirada tez/e inútil desquício./E moro aqui./Na praia florescem/moças de biquini./No morro
crescem/andrajos.” (citado em Hollanda, 1980: 24) Uma visão da favela certamente bem diferente daquela proposta por
Hélio Oiticica, que nunca chorou lágrimas fáceis e encarava muitos andrajos sob outro ponto de vista, aquele do caráter
do Parangolé.
Pontes) do espetáculo musical Opinião, um grande sucesso entre o público da Zona Sul do Rio de
Janeiro desde a sua estréia em dezembro de 1964 (o nome da exposição em que Hélio Oiticica
apresentou seus Parangolés, Opinião-65, foi inspirado nesse espetáculo). Heloísa Buarque de
Hollanda descreve em termos pessoais o que Opinião representava para seu público: “Lembro-me
de ter assistido várias vezes ao show, de pé, arrepiada de emoção cívica. Era um rito coletivo, um
programa festivo, uma ação entre amigos. A platéia fechava com o palco. Um encontro ritual, todos
em ‘casa’, sintonizados secretamente no fracasso de 64, vivido como um incidente passageiro, um
erro informulado e corrigível, uma falência ocasional cuja consciência o rito superava.” (Hollanda,
1980: 35) No artigo Opinião... Opinião... Opinião, escrito em 1966, Mário Pedrosa, um dos
melhores amigos de Hélio Oiticica e Lygia Clark, também definia o espetáculo como um
“respiradouro” político (Pedrosa, 1975: 100).
Parte dessa emoção política vinha das músicas cantadas pela zona-sulista Nara Leão, o
nordestino João do Vale e o “sambista de morro” Zé Keti. No texto As Intenções do Opinião,
assinado pelos três autores e impresso no programa do espetáculo, está escrito: “a música popular é
tanto mais expressiva quanto mais se alia ao povo na captação de novos sentimentos e valores
necessários para a evolução social, quando mantém vivas as tradições de unidade e integração
nacionais.” (Viana Fº, Pontes & Costa, 1979: 58) Para efetivar essa aliança com o povo, na
confecção do espetáculo, um dos recursos utilizados por seus autores e cantores foi o seguinte:
“fomos atrás de Cartola, Heitor dos Prazeres, o pai de Cartola, dona Zica, Sérgio Cabral, Elton
Medeiros para ouvir em versos de Partido Alto.” (Viana Fº, Pontes & Costa, 1979: 58) A escolha
era clara. Não eram esses os sambistas amigos de Hélio Oiticica (nos seus textos já publicados,
apesar de todo seu respeito pela Mangueira, não há nenhuma referência a Cartola ou Nelson
Cavaquinho). O pessoal do Opinião procurou a “Velha Guarda”, a “tradição” e a “autenticidade” do
samba.
Em 1964, a classe média que lotava a platéia do Opinião  também já tinha descoberto o
Zicartola, bar localizado na Rua da Carioca, aberto por Cartola e sua mulher Dona Zica no final de
1963 com a ajuda financeira de um grupo liderado pelo empresário Eugênio Augustine (para mais
dados sobre o Zicartola, ver Cabral, 1979, e Vieira, 1998), onde era possível se ouvir Zé Keti,
Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, João do Vale, Araci de Almeida, Ataulfo Alves, Clementina de
Jesus, Paulinho da Viola, entre tantos outros. Antes disso, gente como Sérgio Porto, Lan e Jota
Efegê já freqüentava a casa de Cartola para ouví-lo cantar. E em 1961, foram organizados encontros
– em apartamento de Copacabana - entre os sambistas Cartola, Nelson Cavaquinho e Zé Keti com
os bossa-novistas Carlos Lyra e Nelson Lins e Barros. Segundo José Ramos Tinhorão, essas
reuniões “marcaram o lançamento dos humildes compositores Cartola e Nelson Cavaquinho como
representantes oficiais do samba tradicional perante a classe média” (Tinhorão, 1986: 239). Esse
crescente interesse por Cartola e Nelson Cavaquinho certamente foi decisivo para se estabelecer a
imagem que a Mangueira tem hoje: a da Escola que tem o samba mais autêntico e que conta com
grande apoio, por isso mesmo, entre intelectuais de classe média.
Mas nem toda a classe média, nos anos 60, estava contaminada pela mesma procura
obstinada da autenticidade sambista. Essa questão parecia passar longe das preocupações de Hélio
Oiticica. E, por outros motivos, também estavam longe das preocupações de outros jovens da Zona
Sul que já compareciam aos ensaios das escolas de samba. Para Sérgio Cabral, mais ou menos em
1957, as escolas “já haviam consolidado a sua posição de maior atração do carnaval carioca.”
(Cabral, 1996: 173) A socialite Celmar Padilha “levava todos os anos grupos da Mangueira para
apresentar-se diante dos sócios dos elegantes Country Club e Sociedade Hípica Brasileira.” (Cabral,
1996: 173) Mas não era só o morro que vinha para o asfalto. O asfalto também adquiria o costume
de subir o morro. Nas vésperas do carnaval de 1958, o Jornal do Brasil publicou uma pequena nota
intitulada Mangueira Pede Socorro: “Rapazes e moças cheirando lança-perfume e aos abraços
invadem o terreiro e instituem uma estranha maneira de deformação do samba, que, vindo do
marginalismo para uma posição social simpática, volta ao passado marginal pela mão da juventude
coca-cola.”(citado em Cabral, 1996: 173) Em 1964 (repito: ano em que Hélio Oiticica descobriu a
Mangueira), a reportagem de carnaval da revista Visão dizia que as escolas levavam “ondas de grã-
finos aos seus ensaios” e que “a última nota bem, em sociedade, é exibir o cartão de sócio
contribuinte de uma escola de samba.” (citado em Cabral, 1996: 189)
Porém, a “deformação do samba” mais decisiva aconteceu não por causa da atuação de grã-
finos ou jovens cheiradores de lança-perfume mas pela intervenção mais “drástica” de artistas de
classe média que passaram a ser contratados pelas escolas como carnavalescos (para análise do
crescimento da importância do carnavalesco ver Cavalcanti, 1994, e Cabral, 1996). O marco inicial
dessa nova etapa do carnaval carioca foi o desfile da Salgueiro em 1959, para o qual o casal de
artistas plásticos Dirceu e Marie Louise Neri criaram alegorias e adereços de mão que causaram
enorme impacto na avenida. A partir da participação – também no Salgueiro - de Fernando
Pamplona, que era cenógrafo do Teatro Municipal,  como escreve Maria Laura Viveiros de Castro
Cavalcanti, “a década de 1960 trouxe para o desfile um conjunto de inovações plásticas e temáticas
muitas vezes denominada ‘revolução’.” (Cavalcanti, 1994: 55) Entre as inovações, Fernando
Pamplona – “Foi também um dos grandes ativistas da União Nacional dos Estudantes” (Cabral,
1996: 179) - propôs o enredo Zumbi dos Palmares, convenceu integrantes da escola a desfilar com
fantasias de escravos, e “mais: um enfeite que os sambistas adoravam usar – uma pequena lâmpada
acesa como detalhe das fantasias – foi substituída por espelhos” pois – segundo a explicação do
novo carnavalesco – “o espelho fazia parte da indumentária das manifestações folclóricas
brasileiras.” (Cabral, 1996: 180)
No meio dessa “revolução”, onde o conhecimento do “folclore” também legitimava as novas
propostas, o neoconcreto Amílcar de Castro foi convidado para colaborar com o desfile da
Mangueira no carnaval de 1964, e foi auxiliado por Hélio Oiticica, que não se transformou num
carnavalesco e sim num passista. Nunca quis, por exemplo, vestir a Mangueira – no desfile – com
suas obras (em depoimento sonoro reproduzido no CD-Rom H.O Suprasensorial, Hélio Oiticica
fala: “eu também queria trazer de casa as coisas, mas não queria trazer no sentido de impor. Por
exemplo: as pessoas diziam: por que você não faz uma ala vestindo as pessoas de Parangolé? Eu
digo: não, não interessa. Agora, contactar mesmo que seja uma pessoa ou outra, botar em contato
com a coisa, é uma coisa minha, porque eu também quero, não posso me disguise”). Também não
compartilhava do interesse dos outros carnavalescos pelo “folclore brasileiro”. Não foi procurando
folclore que chegou ao samba. Pelo contrário:  definindo cultura como a “glorificação do que está
fechado”, Hélio Oiticica denunciava: “toda a parafernália cultural-patriótico-folclorista-nacional é
opressiva.” Então o “Parangolé se ergue desde 64 contra essa folclorização opressiva e usa o
mesmo que seria outrora material folc-Brasil como estrutura não-opressiva”, é “a raiz Brasil em
oposição à folclorização desse material raiz” (Oiticica, 1986: 116). Essas declarações são de 1969,
mas cinco anos antes, no período de sua descoberta da Mangueira, já estava claro: o Parangolé não
é “uma implicação da fusão do folclore à minha experiência” (Oiticica, 1986: 65), pois essa
“relação das ‘aparências’ com coisas já existentes existe mas não é primordial na gênese da idéia”
(Oiticica, 1986: 66).
As aparências enganam.  Mas as aparências das experiências que Hélio Oiticica
viveu/produziu na favela já são bem diferentes daquelas que podiam ser vividas ao ouvir o partido-
alto no Teatro Opinião ou ao se tomar um porre de lança-perfume no ensaio da Mangueira. Já em
1968, o criador dos Parangolés e da recente Tropicália se referia a burgueses, subintelectuais,
artistas americanizados e “cretinos de toda espécie” que “estão interessados em favelas, escolas de
samba, marginais anti-heróis (Cara de Cavalo virou moda) etc.” (Oiticica, 1986: 108)  E
aproveitava a oportunidade para se afastar do modismo: “Muito bom, mas não se esqueçam que há
elementos aí que não poderão ser consumidos por esta voracidade burguesa: o elemento vivencial
direto” (Oiticica, 1986: 108/9).
O “elemento vivencial direto” da passagem de Hélio Oiticica pela Mangueira foi
compartilhado não com os sambistas da Velha Guarda já cultuados pelos grupos mais
“progressistas” da classe média da Zona Sul. Os parceiros de Hélio Oiticica eram Jerônimo,
Mosquito, Luiza, Roberto, Nildo, Nininha, Bidu, Bulau, Manga, Mirim e tantos outros que a Zona
Sul nunca ouviu falar. Além disso, para quem confessa sempre ter adorado “fazer o que ninguém
aprova” (Oiticica, 1986: 131) e para quem revela que, com a descoberta da Mangueira, “a
marginalização, já que existe no artista naturalmente, tornou-se fundamental para mim” (Oiticica,
1986: 74), é até previsível que a aproximação com os morros cariocas possibilitem aventuras ainda
menos convencionais, como a amizade com o bandido Cara de Cavalo ou o consumo de drogas que
o levará a declarar, em 1969, que “a maconha é meu dia-a-dia, meu estado natural” (Oiticica, 1986:
131).
A experiência de Hélio Oiticica com a maconha antecede em vários anos a maior difusão
dessa droga entre certos grupos das camadas médias da Zona Sul carioca, e mesmo dos idéias
contraculturais que criaram uma nova maneira de interpretar seus efeitos. “A primeira vez que se
registrou a utilização de maconha” pelo principal grupo de jovens de Zona Sul (pela sua descrição,
alguns deles, apesar de mais jovens, poderiam ter tido alguma relação de amizade com Hélio
Oiticica) estudado por Gilberto Velho na tese Nobres e Anjos “foi em 1969.” (Velho, 1998: 68)
Para Zuenir Ventura, antes da influência hippie, “a classe média rejeitava a ‘erva maldita’ – maldita
menos por seus efeitos e mais por ser erva, um produto rural, pobre, sem status.” (Ventura, 1994:
29) Gilberto Velho, agora no artigo Dimensão Cultural e Política no Mundo das Drogas, identificou
um quase-padrão de introdução da maconha e depois da cocaína nos grupos de elite por ele
estudados: os primeiros baseados foram apresentados por “jovens norte-americanos” e só então
“estabeleceram-se relações entre os novos consumidores e tradicionais ‘bocas-de-fumo’ dos morros
cariocas.” (Velho, 1994b: 86) A trajetória de Hélio Oiticica, como a de outros jovens de Zona Sul
(por exemplo, como aponta Gilberto Velho, aqueles que formavam as “‘turmas de ruas’ de
Copacabana e Leme” – Velho, 1994b: 86), invertia essa ordem dos fatores. O básico de sua
introdução à maconha aconteceu em ambiente bem “tradicional” (já que essa o uso dessa droga
sempre esteve integrado a determinadas tradições negras brasileiras, vide o artigo A Maconha em
Pernambuco, apresentado por Jarbas Pernambucano no Primeiro Congresso Afro-Brasileiro,
realizado no Recife em 1934). Só depois é que descobriu as teses psicodélicas, diante das quais
permaneceu sempre crítico, incluindo uma explícita mas não explicada “diferença” com Timothy
Leary (Oiticica, 1986: 109).
Essa digressão sobre a relação de Hélio Oiticica com a maconha (não tenho certeza se sua
iniciação se deu na Mangueira, mas há várias referências em seus textos sobre o consumo de
maconha na Mangueira ou com mangueirenses) tem apenas o objetivo de ilustrar as particularidades
de sua descoberta dos morros. O assunto por si só daria um outro artigo. Como também daria a
relação de Hélio Oiticica com bandidos como Cara de Cavalo, além de suas idéias sobre
marginalidade, arte e crime, que trazem indicações importantes para a reflexão sobre um dos
argumentos de Zuenir Ventura no livro Cidade Partida, aquele de que o Rio de Janeiro desde os
anos 50 “já acumulava tensões e conflitos que iriam explodir nas décadas seguintes” (Ventura,
1994: 11), principalmente com o desenvolvimento de um tráfico de drogas de grandes proporções
que modificou mais uma vez a maneira como a relação com as favelas é vista, pensada, e vivida.
Esse caminho é tentador mas nos afastaria bastante do objetivo imediato deste artigo  que é apenas
comentar a especificidade do papel de Hélio Oiticica como mediador entre asfalto e morro, diante
de outros projetos de mediação colocados em prática na mesma época (aqueles do Opinião, do
CPC, dos carnavalescos etc.).
Para mapear todos os caminhos que levam a esse objetivo, e para finalizar este artigo, quero
ainda retomar a crítica que Hélio Oiticica fazia da “folclorização” e sua proposta de uma “raiz
Brasil”, que pode ser melhor compreendida a partir de seus escritos sobre a Tropicália (não será
possível aqui fazer comentários sobre a relação dessa obra – e de outras idéias e outros trabalhos de
Hélio Oiticica - com o movimento musical – nomeado exatamente Tropicália - que, sob a  liderança
de Caetano Veloso e Gilberto Gil, teve repercussão profunda na história recente da música
brasileira e do comportamento da juventude brasileira). Como já vimos, andar pela Tropicália
transmitia ao próprio Hélio Oiticica a sensação de “caminhar pelos morros, pela favela”. Além
disso, era a “minha máxima experiência com as imagens, uma espécie de campo experimental de
imagens” (escrito em 1968 - Oiticica, 1986: 107) e a “primeiríssima tentativa consciente, objetiva,
de impor uma imagem obviamente ‘brasileira’ ao contexto atual da vanguarda” (Oiticica, 1986:
106). O ‘brasileiro’ e a raiz Brasil (a raiz aberta, oposta à folclorização) se confundiam com a
favela. Tropicália dava ao participador, mesmo no museu, a sensação de estar no Brasil, de estar na
favela, de “voltar à terra” (Oiticica, 1986: 100), de pisar na terra novamente (Hélio Oiticica
confessa: “há aqui uma nostalgia do homem primitivo” – Oiticica, 1986: 100), que possa trazer ao
indivíduo “um novo sentido das coisas” e do Brasil.
A Tropicália “é o grito do Brasil para o mundo” (Oiticica, 1986: 125). Hélio Oiticica
escreveu: “Se quisermos definir uma posição específica para o que chamamos de vanguarda
brasileira, teremos que procurar caracterizar a mesma como fenômeno típico brasileiro, sob pena de
não ser vanguarda nenhuma” (Oiticica, 1986: 110). O típico brasileiro, aqui, não se confunde com
nenhum tipo óbvio de nacionalismo. A relação de Hélio Oiticica com o Brasil é a mais contraditória
possível: “O Brasil é triste como a idéia de trópico, mas sou eu” (Oiticica, 1986: 124); “É um país
de merda!” (Clark & Oiticica, 1996: 45); “é um inferno viver aqui, estou cheio!” (Clark & Oiticica,
1996: 50); “nunca vi tanta gente mesquinha e idiota por aqui – é merda política, artística, humana!”
(Clark & Oiticica, 1996: 67); “No Brasil, livre de passados gloriosos como os europeus, ou de
superproduções como os americanos, podemos com élan criar essa Nova Objetividade” (Oiticica,
1986: 112); “quis eu com a Tropicália criar o mito da miscigenação - somos negros, índios,
brancos, tudo ao mesmo tempo – nossa cultura nada tem a ver com a européia” (Oiticica, 1986:
108); “o Brasil está destinado a ser uma espécie de líder do terceiro mundo” (Clark & Oiticica,
1996: 73).
O subdesenvolvimento, a favela salvam o Brasil, nos investem até de uma superioridade (e
nos livram do racionalismo desenvolvimentista dos primeiros construtivistas). Lygia Clark,
morando em Paris, escrevia para Hélio Oiticica: “não vi aqui nada que lembre ou se compare ao
nosso trabalho.” (Clark & Oiticica, 1996: 35) Em outra carta, ela lhe declarava sua convicção de
que “o futuro pertence a um povo subdesenvolvido.” (Clark & Oiticica, 1996: 38) Hélio Oiticica
respondia: “o que você diz sobre os países subdesenvolvidos é certo” (Clark & Oiticica, 1996: 53).
Já morando em Londres, Hélio Oiticica escreve para Lygia Clark: “quero que você continue cada
vez mais botando pra quebrar – chega de otários nessa Europa infecta.” (Clark & Oiticica, 1996:
93). Ainda de Londres, ele sonhava com a volta para o Brasil: “Realmente nada tenho a fazer aqui;
sinto-me morrendo aos poucos.” (Clark & Oiticica, 1996: 128) No Brasil, por ser uma “cultura em
formação” (Oiticica, 1986: 116), podemos ainda criar arte “dirigida” por “uma necessidade
construtiva [há aqui como uma conciliação problemática entre construtivismo e anti-ocidentalismo]
característica nossa” (Oiticica, 1986: 112).
A mediação asfalto-morro de Hélio Oiticica é realizada então com uma missão salvacionista,
em prol  de uma outra modernidade construtiva – não mais européia (pois digeriu
“antropofagicamente” a cultura européia) -  interessada em “escolhas de participação” (“a
participação de cada um é que dá sentido à obra, sem idéia ou moral preconcebida”). Hélio Oiticica
acrescenta: “o pessoal da Mangueira está mais apto a isso [a participar e assimilar o “sentido real”
da proposição do artista] do que o que freqüenta vernissages, suas opiniões são as mais
interessantes.” (Lima, 1996: 41) É a crença obstinada – mesmo que suas premissas7 sejam
questionáveis - no interesse da opinião do Outro que possibilita as mediações mais interessantes. Os
“produtos” dessa atividade mediadora, em forma de Parangolés ou Penetráveis, continuam a nos
interessar, e a incentivar novas mediações. 


7 Por exemplo: Hélio Oiticica valorizava a “marginalidade”. Quando o chamamos de mediador, estamos questionando
essa noção: o mediador “é o oposto sociológico do homem marginal esmagado entre dois sistemas culturais.” (Velho,
1994a: 81) Em sociedades complexas, há incontáveis sistemas e a mediação faz parte “da própria lógica do processo
interativo.” (Velho, 1994a: 82) Tal visão da vida social não diminui em nada a possibilidade da contestação, muito pelo
contrário. E sempre haverá maneiras diferentes para se ser otário, e outras tantas para ser malandro. Apenas fica
impossível o estabelecimento de uma frente única de otários, de um lado, e de malandros, do outro. Como a própria
história da recepção crítica dos Parangolés nos ensina, o mundo é bem mais interessante do que isso. 


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Participação nos Anos 60, São Paulo, Brasiliense.
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sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Projeto "(des)Ocupação reocupAÇÃO" 
Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas
Av. JK, 1973, Londrina, PR
19 de outubro a 25 de novembro de 2009

Performance - Mavi

Piscina - Coletivo MANADA
  Projeções "Corpúsculos" de Higor Mejia

Fotografia por Natália Lima Castro 

Projeto (des)Ocupação reocupAÇÃO

Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas
Av. JK 1973, Londrina, PR
19 de outubro a 25 de novembro de 2009


fotografia por Natália Lima Castro
Teatro de Sombras,  ocupação das vitrines pelo Coletivo MANADA

A exposição dos trabalhos e as atividades coletivas abrangem performance, desenho, gravura, fotografia, cinema, paisagem sonora e estão abertas ao público londrinense.

Acontece na Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas, Av. JK, 1973, o projeto (des)Ocupação reocupAÇÃO. O evento tem como objetivo promover novas manifestações artísticas a partir das produções realizadas no espaço do novo endereço. A exposição e as atividades continuam em andamento, sendo considerado um work in progress, os trabalhos continuam sendo elaborados e inseridos no espaço da casa integrando a exposição montada nas atividades da primeira semana de produção. Performances nas vitrines, edição dos vídeos e outras produções desenvolvidas coletivamente  se encontram em processo e as novas atividades serão divulgadas ao longo deste mês, aqui neste blog, até 25 de novembro, data de encerramento do evento.  O evento conta com a produção dos artistas Lygia Eluf, Iara Strobel, Fábio Gatti , Nenê Jeolás, Rodrigo Grota, KINOARTE, Coletivo MANADA e do Diretor do Centro de Artes Visuais da FUNARTE, Ricardo Resende, além do público que participou das atividades.


quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Artista contemplada com o 51º Prêmio JABUTI participa do
Projeto (des)Ocupação reocupAÇÃO da
Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas


Artista Lygia Eluf conquista o prêmio com caderno de desenho de Tarsila do Amaral


Cabelos curtos, em tons acinzentados, um brilho no olhar e uma simpatia de conquistar qualquer um: assim é Ligia Eluf, pintora, artista plástica, professora do Instituto de Artes da Unicamp, e a mais nova vencedora do prêmio Jabuti. Ela elaborou e idealizou um projeto sobre desenhos da artista modernista, reunidos em um antigo caderno, que nunca haviam sido publicados até então. A obra “Tarsila do Amaral” foi contemplada com o terceiro lugar na Categoria Arquitetura e Urbanismo, Fotografia, Comunicação e Artes do 51º Jabuti, considerado um dos maiores prêmios da literatura, senão o maior.
A relíquia estava armazenada na casa de amigos italianos de Lygia Eluf que mantiveram durante muitos anos no Brasil, a Galeria Collectio, uma importante casa de leilões, inaugurada na década de 1970. O dono era o patriarca italiano que comprava acervos de artistas e ao longo dos anos reuniu um vasto material nessa casa. Dentre eles, estavam quase que escondidos, os pequenos cadernos de Tarsila do Amaral.
Diante da importância do material para a história da arte brasileira, Lygia Eluf teve acesso aos cadernos e tentou vendê-lo para museus e acervos de arte no Brasil, mas não obteve sucesso. Ninguém se interessava. Ela, inquieta, resolveu tornar público os desenhos.
Juntamente com o fotógrafo Fernando Chaves, Lygia Eluf produziu o material sobre os cadernos de Tarsila do Amaral e levou a proposta para as editoras. A editora da Unicamp aceitou publicá-lo, e em parceria com a Imprensa Oficial do Estado de São Paulo (Imesp), tornou a obra mais acessível, desejo da organizadora. “Eu queria que ficasse barato, que qualquer pessoa pudesse comprar. Diferente de outras obras sobre arte que são muito mais caras”, defende Lygia. E conseguiu. A obra custa 35 reais, o que para o universo dos livros sobre arte, é considerado de baixo custo.
A coordenadora editorial revela que ficou muito feliz com a conquista do prêmio Jabuti. “Eu competi com grandes produções, livros maravilhosos. E o meu, simples e pequeno, ganhou!”, brinca. Lygia reforça que o projeto para a concretização da obra foi ousado. Era uma proposta editorial diferente, um caderno de desenho transformado em livro e tratado como tal.
A artista salienta que ler desenhos exige calma, e as pessoas hoje não têm tempo para isso. Talvez, esse seja um dos motivos que levam ao descrédito depositado nas artes quanto a valorização do desenho como meio de conhecimento. Quando as pessoas lhe perguntam “Você ganhou o mesmo prêmio Jabuti que o Moacir Scliar?”, Lygia desdenha, “ele ganhou o dele, eu, o meu”.
O reconhecimento desse trabalho é um passo importante para a reflexão sobre a importância das artes, nesse caso, do desenho, como instrumento para educação visual.
O livro “Tarsila do Amaral” é composto por desenhos da artista modernista, além de um pequeno texto biográfico elaborado por Antonio Carlos Rodrigues, (conhecido como Tuneu), que foi aluno de Tarsila e convidado a escrever algumas linhas sobre a artista. Além dele, foram convidados outros professores que formam o conselho editorial da Coleção Cadernos de Desenho idealizados por Lygia Eluf: Luise Weiss, Paulo Mugayar Kühl e Edith Derdyk. A obra de Tarsila é uma dos livros que compõe a coleção da editora da Unicamp. Em breve, outros artistas terão seus cadernos de desenhos publicados também, como Eliseu Visconti, pintor italiano.
Ter pequenos cadernos particulares é comum entre os artistas e pintores. Lygia Eluf possui duas estantes em casa, em Campinas, recheados de cadernos com anotações, desenhos e pinturas, que a acompanham em todo lugar. “Lá tem muitos traços da minha vida. Quem sabe um dia, resolvo publicá-los. Vou começar com os dos grandes artistas, depois penso nos meus”, brinca.
A premiação do 51º Prêmio Jabuti será dia 4 de novembro, em São Paulo e Lygia está ansiosa. “Estou em dúvida se compro um vestido novo ou não (rs). Só tenho certeza que vou me emocionar muito”, revela.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Atividades coletivas abrangem performance, desenho, gravura, fotografia, cinema, paisagem sonora e estarão abertas à participação do público londrinense

Acontece na Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas, no espaço da Av. JK, 1973, o projeto (des)Ocupação reocupAÇÃO. O evento tem como objetivo promover novas manifestações artísticas a partir das produções que foram realizadas, no ano passado, dentro do projeto intitulado “(des)Ocupação”, durante a mudança da Casa de Cultura_UEl do antigo endereço da Rua Mato Grosso.

A abertura do (des)Ocupação reocupAÇÃO será dia 21, às 19h na Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas, Av. JK, 1973, e vai contar com a presença de vários artistas, dentre eles, Lygia Eluf, Iara Strobel, Fábio Gatti , Nenê Jeolás, Rodrigo Grota e Valquir Fedri, artistas convidados no (des)Ocupação, além do Coletivo Manada, grupo que desenvolve ações artísticas como performances, instalações, projeções e intervenções interativas em parceria com a Casa de Cultura, e da KINOARTE, Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina. O evento também vai contar com a presença do curador e Diretor do Centro de Artes Visuais da FUNARTE, Ricardo Resende.

A proposta do (des)Ocupação reocupAÇÃO, é encher de arte, o que já respira arte. Esta intervenção convida artistas, alunos e demais pessoas envolvidas com alguma produção artística a adentrar a Casa e ocupar este espaço com desenhos, gravuras, pinturas, projeções, colagens, performances, fotografias, sons e ritmos.

O (des)Ocupação, evento realizado em dezembro de 2008 e o (des)Ocupação reocupAÇÃO, a se realizar de 19 a 22 de outubro, promovidos pela Casa de Cultura UEL_Artes Plásticas, trazem o espírito reflexivo e inovador, pensando nos processos artísticos de modo ativo e dinâmico, mexendo com as sensações e percepções, além de instigar o pensamento humano.

Atividades coletivas - A ação de ocupar esse espaço, já começa nos dias que antecedem a abertura do evento. Nos dias 19, 20, e 21, os artistas estarão, literalmente, ocupando a Casa. Alguns deles dormirão no local invadindo as vitrines que, com beliches instalados, produzirão um teatro de sombras durante a noite. Outros estarão montando suas instalações, produzindo desenhos coletivos e outras atividades, surpresas que poderão ser usufruídas pelo público ao longo da semana, nos períodos das 10 às 12h e das 15 às 17h.

As atividades desenvolvidas pelos artistas convidados estarão abertas a interação do público participante. No dia 21 às 19 h está marcada a abertura da exposição dos trabalhos desenvolvidos nos 3 dias de produção e no dia 22, quinta-feira, às 18h30, está marcado um bate-papo aberto, com a participação dos artistas, dos participantes e do público interessado em conhecer e refletir sobre a produção dos artistas na ocupação do espaço e as experiências de produção coletiva.


Serviço:

Atividades:
19, 20 e 21 - Montagens dos trabalhos com a participação do público na produção, montagem e criação.

Av. JK, 1973. 10h às 12h e das 15h às 17h.
21 - 19h, abertura da exposição
22 – 18h30 - Bate-papo aberto ao público sobre a ocupação do espaço pelos artistas e a experiência da produção coletiva.



ARTISTAS CONVIDADOS
Fábio Gatti – Artista, Design, Especialista em Fotografia e História da Arte (UEL) e Mestre em Artes Visuais (UFBA)
Iara Strobel Camargo – Artista, Gravadora e Mestre em Artes Visuais pela USP
Nenê Jeolás – Fotógrafo e Mestre em Artes Visuais (UNICAMP)
Lygia Arcuri Eluf - Artista, Doutora em Poéticas Visuais pela ECA-USP e Professora do Instituto de Artes da UNICAMP
Rodrigo Grota - Jornalista, Cineasta e Escritor
Valquir Fedri – Músico, Compositor e Sonoplasta

Coletivo MANADA

KINOARTE Instituto de Cinema e Vídeo de Londrina

Ricardo Resende – Curador e Diretor do Centro de Artes Visuais da FUNARTE